terça-feira, 23 de abril de 2013

Reflexões de Permacultora


Neste mês que o blog “Permaculturando com Arte” está fazendo aniversário, registro aqui minhas considerações e balanço de primeiro ano prático do Projeto “Estância dos Portais”. Depois de algumas postagens dispersas acerca do passo a passo do projeto, ideias, inspirações, um primeiro esboço do que seria o projeto, os jardins e o design, partilho aqui a dificuldade maior. Talvez seja essa a maior que encontrei desde a idealização até o presente dia que lhes escrevo: o caseiro.
Andei em busca de um caseiro que partilhasse os mesmos ideais e conseguisse sobreviver às primeiras dificuldades enquanto melhorasse a infraestrutura para abrigar a ele e a sua família.
Em 07/2006 contratei o Primeiro caseiro. Um peão de rodeio. Peão de rodeio é um universo que eu diria antiambientalista. Pela experiência da lida com gado, achei que poderia cuidar das únicas duas vaquinhas de leite que estão em fazendas de conhecidos à espera que eu vá buscá-las. O que ainda não aconteceu. Vaquinhas por conta do leite orgânico que pretendo oferecer na estância. Cinco meses e dez dias. Levo Primeiro caseiro de manhã e busco à tarde: às 15 horas. Dorme na cidade. Mulher e crianças ficam na cidade de inicio. Primeiro Caseiro se envolve com amante, e acaba assassinando-a a facadas. Consegue uma sentença de 28 anos de prisão e alguns meses.
Em 01/2010 arrisco a contratação do Segundo Caseiro. O marido de senhora que conheci no hospital. Povo pobre, humilde.  Vive pedindo nas rádios da cidade. Pensei: essa gente merece ser ajudada. Pobre gente! Contratado. Carteira registrada, FGTS, férias, 13 terceiro, salário. Mulher de Segundo Caseiro tem oito filhas mulheres. Rumores de que ela alicia meninas para homens da cidade e envolvimento com conselho tutelar. E ele se embriagava constantemente e além de fumar, havia ameaças de vender minhas ferramentas e bujão de gás para compra de maconha. Um mês e dez dias.
Em 04/2010 arrisco Terceiro Caseiro: Menino educado, jovem que diz ter experiência na roça. Muito boa gente, porém no balanço de um mês de contrato somou doze dias na roça e dezoito na cidade. Segundo mês, oito dias na roça e vinte e dois na cidade.Dois meses.
Em 07/2010 arrisco Quarto Caseiro. Paraíba. Casal até bonito, mulher índia vinda do Pará dos cabarés da vida. Ele, jagunço com ficha na polícia. Duas crianças que são somente dela. “Criança com fome, dona. Fico pela comida”. Homem que não olha nos olhos. E quando o fogo ameaça a chácara...  Tem nada, não! O fogo é pra matar as cobras! Se mexer com a patroa,  destripo o bucho na peixeira!” – Preciso de guarda costa, não! Só preciso de um caseiro! Índia que todas as quintas eu ia buscar pra lavar roupa na cidade. Lavava roupa no rio não. Tinha medo de cobra. Paraíba dizia: “tem um serrador que serra de noite, Patroa, ele serra aqui, serra mais acolá, serra a noite inteira”. _Será que tem gente da carvoaria tirando minha lenha às escondidas? _“É coisa desse mundo não, Patroa! É “livusia”. Dois meses. Arranjei passagem pra Paraíba e botei no ônibus.
Em 06/2011 arrisco Quinto Caseiro: Quilombola. Pensei: descendente de escravo trabalha a terra. Caseiro vai de bicicleta primeiros meses e volta 15:00 horas. Família fica na cidade. Caseiro vai e volta 10:00 hrs  da manhã pra almoçar em casa. Caseiro vai segunda feira e falha terça. Caseiro vai somente segunda- feira na semana.” Foi lá  hoje? Não! já fui lá no começo da semana”! Parei o carro na estrada de chão pra deixar passar Sua Excelência, um Tatú, que não consegui distinguir se era tatu-verdadeiro ou tatu-peba..._”Rapaz, como é que não trouxe ele prá fazer uma farofa!” – Mas, Caseiro, se aqui é uma reserva ecológica, um projeto ambiental, como é que não damos o exemplo?!” – Há, não! Escolhe: ou eu ou o Tatú! Se passar na minha frente, “traço” mesmo!” Rescisão! Férias, 13º. Fgts, salário e abono família... Multa rescisória e seguro desemprego! Dez meses.  Jurei que antes da contratação de um próximo caseiro me internaria no hospício.
Em 03/2013, Primo quis morar lá com a família. Mulher gravidinha e filhinho de quatro anos. Primo pedreiro que não faço referencia a Sexto Caseiro. “Não funciona! Lá a vida é de índio. Não tenho energia elétrica ainda, água no rio fica a 300 metros”. Primo alegre, cabeça aberta, capoeirista, entusiasmado. Pensei: vida nova ao sítio. Quem sabe incluo ele nos programas culturais do projeto com os eventos de capoeira? Fiquei feliz.  Primo ficou um mês e dez dias. Mesmo eu viajando duas vezes no dia, doze quilômetros pra levar assistência, comida, remédio, água da torneira pra colocar no filtro, levar e buscar, ainda assim, Primo reclamou da solidão e da falta de condução. Mesmo os amigos indo todos os finais de semana tomar banho de rio e churrasquear  e a faze-lhes companhia. E mesmo carros indo e vindo o dia inteiro para as chácaras vizinhas. Primo levantou acampamento, veio embora.

Análise de balanço: entre 2006 e 2013, com todas essas seis experiências, o gasto financeiro com despesas diretas e indiretas daria pra levantar toda a estrutura do projeto. Assim, cresceu-se toda a vegetação que foi capinada,  roçada e podada. Tudo que foi feito terá que se refazer. Pois a natureza, sábia e poderosa, faz brotar as raízes e regenerar-se  graças a Deus!
Agora enfezei! Vou trabalhar no sistema de MUTIRÃO! Arrumo uns cinco peões pra o serviço braçal, pago a diária e fica tudo certo. Precisei de oito anos pra conscientizar que contratar caseiro  não funciona. Será que fui boazinha demais?